I know not what tomorrow will bring.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O grande teatro do mundo
Ator – palhaço – personagem

Por Fernando Lopes Lima.

Sou ator. Se me perguntam se sou palhaço, digo que sou também. Porque tenho o pasmo essencial, sei olhar para o mundo como uma criança. Tenho certeza que sou palhaço porque quem decide isso sou eu. Acredito e pronto. Não preciso de um mestre ou de um “guru”. Observo e assim vou me construindo, em ato, em relação com o mundo. Sou ator como profissão e palhaço como condição. É possível ser o contrário. Alias, todos nós somos atores no grande teatro do mundo. Mas, trago para minha vida a condição de palhaço. Como ator sou uma prostituta, vendo-me em corpo e alma e faço isso por qualquer preço, sou dos mais baratos. Vendo-me não como Fausto, caro, vendo-me barato e as vezes não me pagam. O palhaço está sempre comigo, eu sou ele e ele sou eu e ele me faz nunca ser eu mesmo. Hoje é tarde e amanha nem existe. A contradição; o devir; são marcas dessa minha condição de palhaço. Hoje sou um amanha serei outro necessariamente. Quando temos o pasmo essencial, não há um dia que não seja único. Agora, um bom ator e ou um bom palhaço, deve perseguir este objetivo quando for desempenhar seu personagem, o teatro é a arte da repetição dizem os mais antigos, já Artaud acreditava que um ator não deveria sequer repetir as marcas, para manter sempre, por assim dizer, o frescor. Brecht inventou o “estranhamento”; o “distanciamento”; o “não personagem”. Podemos dizer, sem muitos erros, salvo os enganos, que todos esses pensadores da cena, e são muitos, estavam querendo alcançar o pasmo essencial. Como fazer a mesma coisa todos os dias sem perder a primeira essência? Neste lugar surge, o palhaço! Como caminho e digo mais, como resposta. Para mim, a palhaçaria é a ciência do To Play or Not To Play, parodiando Shakepeare no solilóquio mais famoso do teatro, “Ser o não ser”.
Um ator é capaz de desempenhar/interpretar um personagem "palhaço", seja ele clássico, com nariz e figurino, seja só no estado, um cômico, assim como desempenha outros tantos papeis, com técnica, com construção, estados; com todos os instrumentos possíveis que nos permitem desempenhá-lo, mas ele só é palhaço quando entende que tudo está acontecendo pela primeira vez, naquele instante. Eu digo para os meus personagens: - fora daqui, na coxia, é a morte. Então todos os dias eles nascem novamente e por isso nunca estão maduros, nunca são adulterados, serão sempre crianças vendo o mundo pela primeira vez. Não estou no controle, deixo fluir, me coloco à beira abismo ou em estado de jogo, “to play”. Sou sempre um bom ator? Isso sempre funciona? Claro que não, quando nos colocamos em risco podemos fracassar. É sempre um dia depois do outro, “not to play”.
Existem os que são palhaços ou são atores palhaços, que vivem, profissionalmente, da palhaçaria. Pagam suas contas sendo palhaços, e são muitos. Esses tem o mesmo desafio, de manter o frescor. A diferença é que escolheram uma persona, vão dar vida exterior a um palhaço, o seu palhaço, muitas das vez por uma vida inteira. A questão deve ser a mesma, como manter o pasmo essencial?
Todos os dias olho no espelho e me pergunto: quem é este impostor que vejo disfarçado de mim? Do que ele é capaz? E vou para o mundo descobrir quem sou. To play or not to play. Agora, se levamos isso para vida, se convivemos com o eu/palhaço a cada dia, se nos permitimos dormir e acordar para um novo dia, se temos o pasmo essencial, estamos a um passo de um paraíso terreal. Podemos jogar fora os anti-depressivos. Podemos não ter mais medo da morte. Essa é a grande mensagem que nós palhaços da vida devemos revelar ao mundo.
Vamos cagar e andar. Seremos atores melhores. Seremos palhaços melhores. Médicos. Dançarinos. Seremos seres humanos melhores. Amém.