O grande
teatro do mundo
Ator –
palhaço – personagem
Por
Fernando Lopes Lima.
Sou
ator. Se me perguntam se sou palhaço, digo que sou também. Porque
tenho o pasmo essencial, sei olhar para o mundo como uma criança.
Tenho certeza que sou palhaço porque quem decide isso sou eu.
Acredito e pronto. Não preciso de um mestre ou de um “guru”.
Observo e assim vou me construindo, em ato, em relação com o mundo.
Sou ator como profissão e palhaço como condição. É possível ser
o contrário. Alias, todos nós somos atores no grande teatro do
mundo. Mas, trago para minha vida a condição de palhaço. Como ator
sou uma prostituta, vendo-me em corpo e alma e faço isso por
qualquer preço, sou dos mais baratos. Vendo-me não como Fausto,
caro, vendo-me barato e as vezes não me pagam. O palhaço está
sempre comigo, eu sou ele e ele sou eu e ele me faz nunca ser eu
mesmo. Hoje é tarde e amanha nem existe. A contradição; o devir;
são marcas dessa minha condição de palhaço. Hoje sou um amanha
serei outro necessariamente. Quando temos o pasmo essencial, não há
um dia que não seja único. Agora, um bom ator e ou um bom palhaço,
deve perseguir este objetivo quando for desempenhar seu personagem, o
teatro é a arte da repetição dizem os mais antigos, já Artaud
acreditava que um ator não deveria sequer repetir as marcas, para
manter sempre, por assim dizer, o frescor. Brecht inventou o
“estranhamento”; o “distanciamento”; o “não personagem”.
Podemos dizer, sem muitos erros, salvo os enganos, que todos esses
pensadores da cena, e são muitos, estavam querendo alcançar o pasmo
essencial. Como fazer a mesma coisa todos os dias sem perder a
primeira essência? Neste lugar surge, o palhaço! Como caminho e digo
mais, como resposta. Para mim, a palhaçaria é a ciência do To
Play or Not To Play, parodiando
Shakepeare no solilóquio mais famoso do teatro, “Ser o não ser”.
Um
ator é capaz de desempenhar/interpretar um personagem "palhaço",
seja ele clássico, com nariz e figurino, seja só no estado, um
cômico, assim como desempenha outros tantos papeis, com técnica,
com construção, estados; com todos os instrumentos possíveis que
nos permitem desempenhá-lo, mas ele só é palhaço quando entende
que tudo está acontecendo pela primeira vez, naquele instante. Eu
digo para os meus personagens: - fora daqui, na coxia, é a morte.
Então todos os dias eles nascem novamente e por isso nunca estão
maduros, nunca são adulterados, serão sempre crianças vendo o
mundo pela primeira vez. Não estou no controle, deixo fluir, me
coloco à beira abismo ou em estado de jogo, “to play”. Sou
sempre um bom ator? Isso sempre funciona? Claro que não, quando nos
colocamos em risco podemos fracassar. É sempre um dia depois do
outro, “not to play”.
Existem
os que são palhaços ou são atores palhaços, que vivem,
profissionalmente, da palhaçaria. Pagam suas contas sendo palhaços,
e são muitos. Esses tem o mesmo desafio, de manter o frescor. A
diferença é que escolheram uma persona, vão dar vida exterior a um
palhaço, o seu palhaço, muitas das vez por uma vida inteira. A
questão deve ser a mesma, como manter o pasmo essencial?
Todos os
dias olho no espelho e me pergunto: quem é este impostor que vejo
disfarçado de mim? Do que ele é capaz? E vou para o mundo descobrir
quem sou. To play or not to play. Agora, se levamos isso para vida,
se convivemos com o eu/palhaço a cada dia, se nos permitimos dormir
e acordar para um novo dia, se temos o pasmo essencial, estamos a um
passo de um paraíso terreal. Podemos jogar fora os anti-depressivos.
Podemos não ter mais medo da morte. Essa é a grande mensagem que
nós palhaços da vida devemos revelar ao mundo.
Vamos
cagar e andar. Seremos atores melhores. Seremos palhaços melhores.
Médicos. Dançarinos. Seremos seres humanos melhores. Amém.