Pensei em indicar as próximas encenações
de "O banqueiro anarquista" – em cartaz somente hoje e amanhã (26 e 27 de
março), às 19 horas no Teatro Serrador – aos que estão estudando Literatura
portuguesa moderna neste semestre, porém correria o risco de estar dando uma
ótima sugestão àqueles que não gostam muito de ler, mas ainda assim cursam as
faculdades de Letras. Outro grande problema nesse pen...samento é que o
espetáculo, na verdade, deve ser indicado para todos (e, prioritariamente, a
todos os que amam o teatro), pois é a grande oportunidade para ver o conto de Fernando Pessoa ganhar vida e dar várias lições de
vida. O heterônimo Alberto Caeiro (Peter Boos) aparece para apresentar seu amigo banqueiro (José Karini),
“grande comerciante e açambarcador notável”, um homem de sensível tenacidade,
capaz de esmiuçar a reflexão através de muitos argumentos, um prodígio da antiga
escola retórica. Nesse momento, você, se estiver na plateia, também será
convidado a tomar parte nessa genial conversação de Fernando Pessoa consigo
mesmo.
Não estou menosprezando a grande capacidade imaginativa do ser humano, porém dificilmente você fará uma leitura tão aprimorada quanto a que está sendo encenada lá. A atuação de José Karini consegue ultrapassar o impecável, dá uma verdadeira aula de como se lê (e se vê) o banqueiro anarquista. Por um lado, mostra-se exemplar aluno da criação dramática de Fernando Lopes Lima, que (como se não bastasse sua longa pesquisa e paixão pela história) foi auxiliado pelas análises teóricas de Guto Beluco e Filipe Ceppas; por outro, José Karini exibe toda sua maturidade artística na composição do banqueiro, qualidade imprescindível para o personagem, com todo o fôlego e pausas necessários para conduzir a complexa argumentação de como este banqueiro é mais anarquista do que os “do tipo dos sindicatos e das bombas”.
Se você for alguém suficientemente humilde, talvez tenha certo medo (e prudência) de ter de enfrentar o astuto banqueiro anarquista numa conversação. Isso é bastante prudente, mas você pode ficar mais do que tranquilo, pois Peter Boos estará lá para encarnar o narrador-mediador do conto, de modo que todos ficarão bem à vontade para se deliciarem com a conversa informal regada a vinho. Talvez você, se for uma pessoa tão chata quanto eu, ficará se questionando o porquê da escolha de Alberto Caeiro para nortear o personagem-narrador (já que ele morreu em 1915, e o conto é de 1922), porém basta você olhar para a atuação de Rafael Mannheimer, ao fundo, e você irá entender que, da mesma forma como Caeiro morreu, poderia ressucitar. Assim como o personagem de Mannheimer é ao mesmo tempo Álvaro de Campos e Fernando Pessoa, os outros dois também o são.
Não estou menosprezando a grande capacidade imaginativa do ser humano, porém dificilmente você fará uma leitura tão aprimorada quanto a que está sendo encenada lá. A atuação de José Karini consegue ultrapassar o impecável, dá uma verdadeira aula de como se lê (e se vê) o banqueiro anarquista. Por um lado, mostra-se exemplar aluno da criação dramática de Fernando Lopes Lima, que (como se não bastasse sua longa pesquisa e paixão pela história) foi auxiliado pelas análises teóricas de Guto Beluco e Filipe Ceppas; por outro, José Karini exibe toda sua maturidade artística na composição do banqueiro, qualidade imprescindível para o personagem, com todo o fôlego e pausas necessários para conduzir a complexa argumentação de como este banqueiro é mais anarquista do que os “do tipo dos sindicatos e das bombas”.
Se você for alguém suficientemente humilde, talvez tenha certo medo (e prudência) de ter de enfrentar o astuto banqueiro anarquista numa conversação. Isso é bastante prudente, mas você pode ficar mais do que tranquilo, pois Peter Boos estará lá para encarnar o narrador-mediador do conto, de modo que todos ficarão bem à vontade para se deliciarem com a conversa informal regada a vinho. Talvez você, se for uma pessoa tão chata quanto eu, ficará se questionando o porquê da escolha de Alberto Caeiro para nortear o personagem-narrador (já que ele morreu em 1915, e o conto é de 1922), porém basta você olhar para a atuação de Rafael Mannheimer, ao fundo, e você irá entender que, da mesma forma como Caeiro morreu, poderia ressucitar. Assim como o personagem de Mannheimer é ao mesmo tempo Álvaro de Campos e Fernando Pessoa, os outros dois também o são.
Além disso, a fruição teatral é da mais alta qualidade e
refinamento. Várias mãos invisíveis passam pelo espetáculo, mãos que
proporcionarão à sua ida ao Teatro Serrador uma vivência tanto ou mais
proveitosa do que a leitura do texto, uma experiência filosófica, dramática e
recheada de ironias que somente grandes momentos de reflexão são capazes de
oferecer. A iluminação de Aurelio de Simoni, mais uma vez marcante pela maestria
de composições com texturas de branco e sombra, aguça toda a potencialidade da
peça. A inusitada criação de Marcos Saboya no cenário (feito em conjunto com Thais
Zilberberg), é uma pequena instalação chamada "127 Pessoas" e, de certo modo,
também é uma pequena amostra de sua criação aMAZEme, que representou o Brasil em
Londres no ano passado, mas um pequeno gigante, uma concepção precisa ao
espetáculo. Fernando Lopes Lima consegue fazer com que a Sala Brigitte Blair
fale com o espectador e o espetáculo. A encenação de “O banqueiro anarquista” é
uma escandalosa evidência da profunda intimidade do dramaturgo com sua
residência artística.
Imagino que, num breve futuro, as pessoas irão abrir seus ebooks para ler esse conto e haverá as opções para ouvi-lo em audiobook e a de ver a peça. Porém, se você não quiser esperar até lá, é melhor ir conferir pessoalmente.
Imagino que, num breve futuro, as pessoas irão abrir seus ebooks para ler esse conto e haverá as opções para ouvi-lo em audiobook e a de ver a peça. Porém, se você não quiser esperar até lá, é melhor ir conferir pessoalmente.