I know not what tomorrow will bring.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O grande teatro do mundo
Ator – palhaço – personagem

Por Fernando Lopes Lima.

Sou ator. Se me perguntam se sou palhaço, digo que sou também. Porque tenho o pasmo essencial, sei olhar para o mundo como uma criança. Tenho certeza que sou palhaço porque quem decide isso sou eu. Acredito e pronto. Não preciso de um mestre ou de um “guru”. Observo e assim vou me construindo, em ato, em relação com o mundo. Sou ator como profissão e palhaço como condição. É possível ser o contrário. Alias, todos nós somos atores no grande teatro do mundo. Mas, trago para minha vida a condição de palhaço. Como ator sou uma prostituta, vendo-me em corpo e alma e faço isso por qualquer preço, sou dos mais baratos. Vendo-me não como Fausto, caro, vendo-me barato e as vezes não me pagam. O palhaço está sempre comigo, eu sou ele e ele sou eu e ele me faz nunca ser eu mesmo. Hoje é tarde e amanha nem existe. A contradição; o devir; são marcas dessa minha condição de palhaço. Hoje sou um amanha serei outro necessariamente. Quando temos o pasmo essencial, não há um dia que não seja único. Agora, um bom ator e ou um bom palhaço, deve perseguir este objetivo quando for desempenhar seu personagem, o teatro é a arte da repetição dizem os mais antigos, já Artaud acreditava que um ator não deveria sequer repetir as marcas, para manter sempre, por assim dizer, o frescor. Brecht inventou o “estranhamento”; o “distanciamento”; o “não personagem”. Podemos dizer, sem muitos erros, salvo os enganos, que todos esses pensadores da cena, e são muitos, estavam querendo alcançar o pasmo essencial. Como fazer a mesma coisa todos os dias sem perder a primeira essência? Neste lugar surge, o palhaço! Como caminho e digo mais, como resposta. Para mim, a palhaçaria é a ciência do To Play or Not To Play, parodiando Shakepeare no solilóquio mais famoso do teatro, “Ser o não ser”.
Um ator é capaz de desempenhar/interpretar um personagem "palhaço", seja ele clássico, com nariz e figurino, seja só no estado, um cômico, assim como desempenha outros tantos papeis, com técnica, com construção, estados; com todos os instrumentos possíveis que nos permitem desempenhá-lo, mas ele só é palhaço quando entende que tudo está acontecendo pela primeira vez, naquele instante. Eu digo para os meus personagens: - fora daqui, na coxia, é a morte. Então todos os dias eles nascem novamente e por isso nunca estão maduros, nunca são adulterados, serão sempre crianças vendo o mundo pela primeira vez. Não estou no controle, deixo fluir, me coloco à beira abismo ou em estado de jogo, “to play”. Sou sempre um bom ator? Isso sempre funciona? Claro que não, quando nos colocamos em risco podemos fracassar. É sempre um dia depois do outro, “not to play”.
Existem os que são palhaços ou são atores palhaços, que vivem, profissionalmente, da palhaçaria. Pagam suas contas sendo palhaços, e são muitos. Esses tem o mesmo desafio, de manter o frescor. A diferença é que escolheram uma persona, vão dar vida exterior a um palhaço, o seu palhaço, muitas das vez por uma vida inteira. A questão deve ser a mesma, como manter o pasmo essencial?
Todos os dias olho no espelho e me pergunto: quem é este impostor que vejo disfarçado de mim? Do que ele é capaz? E vou para o mundo descobrir quem sou. To play or not to play. Agora, se levamos isso para vida, se convivemos com o eu/palhaço a cada dia, se nos permitimos dormir e acordar para um novo dia, se temos o pasmo essencial, estamos a um passo de um paraíso terreal. Podemos jogar fora os anti-depressivos. Podemos não ter mais medo da morte. Essa é a grande mensagem que nós palhaços da vida devemos revelar ao mundo.
Vamos cagar e andar. Seremos atores melhores. Seremos palhaços melhores. Médicos. Dançarinos. Seremos seres humanos melhores. Amém.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Amália Rodrigues - Fado


Fernando Pessoa

O FADO E A ALMA PORTUGUESA

O FADO E A ALMA PORTUGUESA
Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.
O fado, porém, não é alegre nem triste. É um episódio de intervalo. Formou-o a alma portuguesa quando não existia e desejava tudo sem ter força para o desejar.
As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe.
fado é o cansaço da alma forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que creu e também o abandonou.
No fado os Deuses regressam legítimos e longínquos. É esse o segredo sentido da figura de El-Rei D. Sebastião.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Giovanni Rossi e a Colonia Cecília

Giovanni Rossi (pseudônimo Cardias) (1856 - 1943) foi um anarquista italiano, engenheiro agrônomo e médico veterinário de profissão, escritor que por influência dos socialistas libertários experimentalistas franceses (socialistas utópicos no jargão marxista), escreveu uma série de livros sobre a criação de comunidades experimentais. Foi membro da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) de Pisa, fundou a Colônia Agrícola Experimental Cittadella em Cremona, e ganhou notoriedade ao tentar implementar a colônia experimental Cecília no ano de 1890, em território brasileiro, na cidade de Palmeira, estado do Paraná.

Link de um artigo interessante sobre a colônia:
http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_publicacoes/cad-8/Artigo-1-p09.pdf

Roberto Freire.



O inconsciente coletivo agindo - tudo de acordo.


A Soma - uma terapia anarquista

Foi criada e desenvolvida no Brasil pelo instaurador Roberto Freire para ser um instrumento para aqueles que buscam respostas originais em suas vidas, procurando entender o comportamento político humano em sociedade a partir do cotidiano das pessoas. São as micro-relações que produzem o germe do autoritarismo social, num jogo de poder e sacrifício onde valores capitalistas como a competição, o lucro e a exploração já não podem ser tratados apenas como questões de mercado e ideologia. É inegável a influência destes valores sobre áreas vitais das relações humanas, como no amor, por exemplo, onde sentimentos (ciúmes, posse, insegurança) e situações (competição, traíção, mentiras) parecem reproduzir no micro-social todos os ranços e saldos do autoritarismo de Governos e Estados. Para a Soma, portanto, a política começa no cotidiano e é a fonte dos mecanismos de manutenção da ordem social, assim como tem forte influência sobre a subjetividade das pessoas. Baseado nas pesquisas de Wilhelm Reich, colaborador e depois dissidente da psicanálise de Freud, a Soma nasceu de estudos sobre o desbloqueio da criatividade. Através de exercícios teatrais, jogos lúdicos e de sensibilização, criamos uma série de vivências que possibilitam uma rica descoberta sobre o comportamento e suas inúmeras nuances. Perceber como o corpo reage diante de situações tão diferentes, como a agressividade, a comunicação, a sonsorialidade, a sensualidade e sua relação com sentimentos e emoções, permite um resgate daquilo que nos diferencia enquanto individualidade, para criar um jeito novo, a originalidade contra a massificação. Assim, a Soma se constitui como um processo terapêutico corporal e em grupo, com conteúdo político explícito, o anarquismo. A terapia tem tempo determinado (cerca de um ano e meio) e é realizada em sessões de três horas cada (são quatro por mês) em vivências compostas de exercícios corporais e dinâmica de grupo autogestionária. Buscando uma ampliação do caráter libertário da Soma, há alguns anos estamos utilizando a capoeira angola também como parte integrante da terapia. Fazer Soma, viver o processo de um grupo diante do desafio de produzir relações mais sinceras e solidárias é buscar saídas práticas na construção de sociabilidades mais livres e saudáveis. Tentar ser algo mais do que um indivíduo perdido entre redes de controle social. João da Mata – somaterapeuta

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Notas do diretor

Já posso dizer que tenho dedicado minha vida ao teatro. Quando pensei em montar este texto, em transformá-lo em espetáculo, eu tinha 23 anos, sabia que não seria tarefa fácil e que só conseguiria quando eu pudesse dizer com tranquilidade que dedico minha vida ao teatro. Hoje, passados 15 anos, estou maduro e imaturo o suficiente para, até que enfim, levar essa obra aos palcos. Não é tarefa fácil, ninguém disse que seria, mas quando dedicamos nossa vida a alguma coisa, algumas vantagens podemos tirar deste tempo de dedicação, uma delas é a certeza de que não há milagre, de que gênios não existem; o que se tem é trabalho, pesquisa, mergulho e trabalho. Uma outra boa vantagem é que as PESSOAS que você encontra no caminho da dedicação mencionada aqui, são parceiras e que também dedicam suas vidas ao teatro. A primeira pegunta que me faço, quando estou diante de uma ideia, é se sou capaz de fazer aquilo que gostaria de fazer, depois, se as pessoas que eu gostaria que fizessem serão capazes, depois eu me pergunto se o mundo é capaz de receber o que nós estamos querendo oferecer e, por fim, eu me convenço que "tudo vale apena se alma não é pequena", usando das palavras do nosso autor. Então, hoje, nós temos o texto, nós temos os artistas, que não são poucos, em número e qualidade, já temos um modo, uma forma, para contar essa "passagem", essa "história", essa "parábola" e temos muitas almas enormes. A principio eu queria montar o texto na integra, mas fui descobrindo pequenos tesouros nos estudos que fiz sobre a obra de PESSOA, fui crendo que ele estava me dando alguns presentes e escolhendo outros para reforçar uma ideia, um lugar para onde eu quero conduzir o público. 

TODO PROCESSO É CRIADOR - nos deparamos com outro de nós no fim.


O Banqueiro Anarquista escrito por Fernando Pessoa em 1922, em um período de mudanças significativas para o mundo, com ideologias diversas e conflitantes, é um texto que pretende desconstruir "verdades absolutas", ou pelo menos, brincar de destruí-las."Nunca fui mais do que uma criança que brinca" (Álvaro de Campos ). Esse PESSOA que tem ideias profundas sobre o mundo, que pretende civilizar Portugal, não passa de um bufão; com tantas caras, formas e maneiras; mil pensadores em um, são tantos que ainda hoje nos causa espanto, quando descobrimos uma prosa, uma frase, uma poesia nova. Diz com a mesma força que desdiz.  

"Não tenho filosofia, tenho sentidos" (Alberto Caeiro).

Em um primeiro momento pretendo, com esta montagem, "apresentar" ao público o Fernando Pessoa prosador, muito se conhece da poesia de Pessoa, mas sua prosa é tão brilhante quanto sua poesia. Depois quero me utilizar de sua genialidade para dizer ao mundo que "cada um tem de libertar a si próprio". Se eu tivesse que fazer um resumo da peça diria esta frase:

"CADA UM TEM DE LIBERTAR A SI PRÓPRIO".

Junto com o Karini e o Peter, passo à passo, estamos investigando as possibilidades, tratando de refinar nosso discurso de liberdade. 

Todo objeto estético é um monumento histórico.

Portanto nos dedicamos a entender, a espiar o passado, através desta obra, que ainda é muito moderna, para não dizer atual, como é de costume que se digam quando uma obra da conta de muitos tempos, mas isso, muitas vezes, não é mérito da obra, mas desmérito da sociedade, que continua comendo o próprio rabo. Ainda temos um longo trabalho pela frente, pesquisa de músicas, de figurinos, de cenário e etc. Sem mais delongas, ainda há muito o que se dizer, mas com o tempo, vamos produzindo pensamentos e estes serão sempre postos aqui, para deleite daqueles que gostam de teatro. Sigamos.

Fernando Lopes Lima.

Entrevista com Fidel Castro.


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Videos da peça pela mundo - dos outros


O BANQUEIRO por Guto Beluco

Quem será o banqueiro anarquista? Existirá um anarco-capitalismo? Como juntar no mesmo saco identidades tão opostas? Quem ousaria fazê-lo? Talvez um poeta, bem equipado com seus disfarces.
Satirizando Platão, Pessoa se serve de um banquete: sentam-se à mesa o grande capitalista e o interlocutor ingênuo, a fazer sempre as perguntas certas (aquelas que primeiro ocorrem ao leitor desavisado), para o desfrute retórico de um protagonista que se dispõe a provar o improvável: que o verdadeiro anarquista é aquele que se torna banqueiro, ou algo do tipo.
Na defesa de sua tese (e em sua própria defesa) o personagem desfia uma espécie de autobiografia do espírito, narrando a passagem dos sonhos juvenis ao pragmatismo adulto, das articulações políticas coletivas ao individualismo atroz – e, na prática, cético quanto às utopias.
É necessário perceber que o autor não se propõe a discutir política strictu sensu: o centro de seu interesse é o lugar do sujeito moderno frente ao próprio destino, seus limites, escolhas, esperanças. Usando o discurso de um banqueiro intelectual, Pessoa usa e abusa da razão.
No limite, o texto parece nos insinuar que há uma perversidade inata em cada um de nós –pretensamente civilizados – assim como ousa denunciar o reino da razão em suas pretensões de coerência e verossimilhança. Não é verossímil a existência de um banqueiro anarquista. No entanto, essa espécie de sofista seduz o leitor: nós e o coadjuvante caímos como patos em seu discurso impecável, com olhos brilhando por seu poder intelectual/financeiro e por sua racionalidade exuberante (que não admitiria conter uma disfarçada patologia histérica e egoísta, disfarçada em prosa “filosófica”).
Há um paralelo entre a justificativa elaborada pelo banqueiro (que não nega ser um “açambarcador”)e a própria denúncia – premonitória, pois estamos em 1922 – que faz dos rumos autoritários que acabariam por se tornar hegemônicos na Rússia, pouco tempo após a revolução. Enquanto a Nomenklatura bania os dissidentes em nome de uma“pureza” revolucionária, o banqueiro se torna uma ave de rapina, e justo por conta da radicalidade de sua ideologia “anarquista”. Ambos não hesitam em afirmar eloquentemente suas razões e seu mérito, desprezando os “fracos de espírito”: aqueles que titubeiam na consecução dos seus fins "revolucionários".
É significativo que o discurso denuncie também– de modo obsessivo – o que é chamado de “ficções sociais” quando percebemos que ele mesmo se baseia numa ficção teórica - o "anarco-capitalismo" do banqueiro - e quando sabemos que o próprio dinheiro de um banco é uma ficção (ele vive dessa ficção, emprestando dinheiro alheio a juros e mantendo as contas de quantias virtuais, ficcionais, confiando que os correntistas não irão todos ao mesmo tempo retirar esse dinheiro que não existe...).
 
Quando entendemos o banqueiro anarquista enquanto personagem sintomático e paradoxal, podemos ir além do horizonte das “intenções do autor” ou de uma ideologia oculta por trás da tese exposta pelo banqueiro, fruto de uma experiência pessoal (do banqueiro) que tenta se articular em uma narrativa de perfeita coerência (o que já aponta para as ironias, disfarces e dubiedades nos quais Fernando Pessoa é mestre). É preciso admitir que o banqueiro encarna alguns dos próprios sintomas que denuncia: é a própria contradição entre o discurso e prática que desnuda a opacidade e dureza dos programas ideológicos, dos fundamentalismos discursivos, nada refratários à complexidade das sociedades, das culturas, do próprio ser humano. Um paradoxo ambulante, um sintoma exposto, eis o banqueiro anarquista.

Transcrição de um bom diálogo do Facebook

 
Tina Montenegro

Esse texto é incrível. Vi transformado em peça.
 
  • Tina, eu sou amigo do Filipi e estou montando como espetáculo de teatro, fiquei curioso com seu comentário, voce pode me dar mais informaçoes sobre onde e quando vc viu transformado em peça? Obrigado.
     
  • Vixe, faz séculos. Foi no final dos anos 90, em Paris. Era um diálogo entre um jovem e um velho, encenado num porão antigo, desses revestido por pedras e cheio de arcos. Por conta disso, não havia cenário nenhum, além do porão (talvez apenas uma cadeira), mas os espectadores ficavam na mesma altura que os atores e as vozes eram muito amplificadas pela acústica. Quero dizer que eles falavam entre eles e ainda assim dava para ouvir tudo, se é que você me entende. Dava a impressão de estarmos espiando uma discussão privada.
     
  • que bacana... gosto de saber dessas coisas, do que fica por ai, de impressão... se tudo correr bem estreamos em Fevereiro. Lhe convido. abraços
     

  • No dia 29 de Outubro, fizemos uma leitura do nosso texto no Midrash Centro Cultural




    Depois da leitura houve um debate com a presença de Guto Beluco e Filipe Ceppas.



    segunda-feira, 12 de novembro de 2012

    Sobre O Banqueiro Anarquista – notas de leitura.

    Filipe Ceppas

    Advertência: este texto ainda está em formato de notas, escritas para participação no debate sobre a montagem da peça do Fernando (do Pessoa e do Lopes Lima). Apenas tentei costurar as notas simulando um “texto corrido”, que ainda não existe. Tudo aqui é pura impressão, diante da constatação de minha enorme ignorância do universo extremamente rico e prismático da obra de Pessoa.

    Nunca fiz mais do que fumar a vida (Álvaro de Campos)

    Talvez seja possível entender O banqueiro anarquista sob o desígnio da lei do Fado, isto é, da irracionalidade melancólica de todas as coisas que não é simplesmente a afirmação de uma “metafísica da luz do sol”, mas de um metafísica da luz do sol que se nega e se afirma a si mesma através da poesia, de um pensamento que afirma e recusa o pensamento.

    Os deuses, não os reis, são os tiranos.
    É a lei do Fado, a única que oprime.
    Pobre criança de maduros anos,
    Que pensas que há revolta que redime!
    Enquanto pese, e sempre pesará,
    Sobre o homem a serva condição
    De súdito do Fado
    (27-5-1922)

    Nada, Lidia, devemos
    Ao Fado, senão tê-lo.
    (Odes de Ricardo Reis / 20-11-1928)

       
    É significativo que Pessoa tivesse querido traduzir o texto para o inglês e publicá-lo, como estratégia de se tornar conhecido na Europa, levando em conta, ao mesmo tempo, que, para ele, Pessoa, O Banqueiro Anarquista  participa de um grau inferior da heteronomia:

    No primeiro grau, a personalidade distingue-se por ideias e sentimentos próprios, distintos dos meus, assim como, em mais baixo nível desse grau, se distingue por ideias, postas em raciocínio ou argumento, que não são minhas, ou, se o são, o não conheço. O Banqueiro Anarquista é um exemplo deste grau inferior; o Livro do Desassossego e a personagem Bernardo Soares são o grau superior.

    Se levamos a sério essas duas advertências, leituras do conto mais restritas à análise da “mensagem política” do texto (sobretudo quando esta mensagem seria entendida sob o signo da “intenção do autor”) tornam-se problemáticas. As advertências parecem nos conduzir, antes, às relações entre o conto e as questões da ficção e da heteronomia, condição para que, num segundo momento, se compreenda melhor os porquês da trama política apresentada no texto, e do tratamento que o autor lhe confere. Segundo Massaud Moisés, o O Banqueiro destoaria da prosa de Pessoa, marcada pelo rigor da argumentação, mas atenderia à demanda programática de um autor que é “jogador intelectual”, “espécie de prestidigitador”, “mágico”, “seguro de que ‘verdade’ e ‘ilusão’ constituem, quando muito, faces da mesma moeda” (p.130):

    …finge-se um banquete em que, a fingir falar de coisas sérias, se fazem declarações absurdas, ou em que se enfileiram disparates a sério, como se uma encenação teatral se tratasse, a fim de que os comensais passassem o tempo amenamente, e nós, leitores, com eles. Banquete sofístico, portanto. (Moisés, Fernando Pessoa: o espelho e a esfinge, p.129)

    Essa aproximação à sofística, entretanto, parece estranha, pois toda a obra de Pessoa parece funcionar muito mais no registro de paradoxos platônicos do que no regime dos sofistas (daqueles que vendem persuasão como se fosse sabedoria — o que Pessoa nunca faz). Pessoa reativa de modo inverso o paradoxo de Platão, que faz literatura condenando a literatura. Pessoa filosofa condenando a filosofia (“O único mistério é haver quem pense no mistério”). E, precisamente, algo que costuma ficar absolutamente na penumbra nas análises sobre O Banqueiro que pude consultar até aqui é a relação entre ficção e ficção social… Não é uma economia o que rege o paradoxo de uma poesia que filosofa para questionar o valor da filosofia e da própria poesia?

    “…a luz do sol vale mais que os pensamentos
    De todos os filósofos e de todos os poetas.” (grifo nosso)


    O termo “ficção social”, contraposto a “convenção social”, joga com a literatura enquanto parte das mazelas que se contrapõem às qualidades naturais.

    Ora essas ficções sociais são más por quê? Porque são ficções, porque não são naturais.
    O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais.

    O próprio texto, O Banqueiro Anarquista, a literatura, a arte, não seria apenas mais uma outra ficção social e, portanto, má por natureza, apenas por não ser natural, por valer menos do que a luz do sol? Mas Pessoa anuncia, logo no início do conto, uma zona de indistinção, transitória e incontrolável, entre natureza e cultura, entre qualidades naturais e ficções sociais.

    Qual é a ficção mais natural? Nenhuma é natural em si, porque é ficção; a mais natural, neste nosso caso, será aquela que pareça mais natural, que se sinta como mais natural. Qual é a que parece mais natural, ou a que sintamos mais natural? É aquela que estamos habituados. (V. compreende: o que é natural é o que é do instinto; e o que não sendo instinto, se parece em tudo com o instinto é o hábito. Fumar não é natural, não é uma necessidade do instinto; mas, se nos habituamos a fumar, passa a ser-nos natural, passa a ser sentido como uma necessidade do instinto.)

    Noutro texto, que parece fazer eco a muitas das imagens poéticas de Pessoa, quando o homem se afasta das ficções sociais, ele se aproxima antes da loucura e da genialidade, mais do que do instinto ou da animalidade:

    Loucos são os heróis, loucos os santos, loucos os gênios, sem os quais a humanidade é uma espécie animal, cadáveres adiados que procriam. (“Sobre um manifesto de estudantes” [p.34 OC])

    Para Pessoa, portanto, parece haver maior proximidade entre as ficções sociais e as qualidades naturais do que entre elas e o gênio ou o louco. E há ficções que são mais naturais, como seria a própria forma “lógica” de argumentar do banqueiro anarquista. É dessas que precisamos partir para superar as antinomias nas quais nos enredamos quando queremos superar a opressão das ficções sociais. O exemplo do fumo, recorrente no texto, é significativo: o fumo é espírito (sopro, alma) e objeto de troca, fundamental nas cerimônias sociais entre os índios. Ele é, portanto, essa zona liminar de indistinção entre natureza e cultura.
    É interessante perceber que algumas críticas feitas ao texto estão centradas no absurdo da idéia de um anarquista que resolveu ser banqueiro, isto é, que encontra na acumulação do dinheiro uma saída política. Mas, se levarmos a sério o título, teríamos que inverter a lógica do texto e entender como um banqueiro poderia ser anarquista. E o texto é claro neste sentido: o banqueiro é anarquista quando torna-se superior ao dinheiro, quando reduz o dinheiro à inatividade, quando se torna, ele, banqueiro, livre de sua influência:

    Procurei ver qual era a primeira, a mais importante, das ficções sociais. Seria a essa que me cumpria, mais que a nenhuma outra, tentar subjugar, tentar reduzir à inatividade. A mais importante, da nossa época pelo menos, é o dinheiro.
    Como podia eu tornar-me superior à força do dinheiro? O processo mais simples era afastar-me da esfera da sua influência, isto é, da civilização; ir para um campo comer raízes e beber água das nascentes; andar nu e viver como animal. Mas isto, mesmo que não houvesse dificuldade em fazê-lo, não era combater uma ficção social; não era mesmo combater: era fugir.
    Como subjugar o dinheiro, combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu encontro? O processo era só um - adquiri-lo, adquiri-lo em quantidades bastante para lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influência.

    Não procede, portanto, a idéia de que o banqueiro anarquista se subordine à tirania do capital. Esse é o princípio das análises que denunciam a suposta “falência da imaginação política” de Fernando Pessoa:

    o banqueiro anarquista liberta-se de modo egoísta da ditadura do dinheiro, não da tirania do capital, tornando-se capitalista, em virtude das suas qualidades naturais superiores. (J Francisco Saraiva de Sousa, http://cyberdemocracia.blogspot.com.br/2012/02/uma-novela-de-fernando-pessoa-o.html )

    Essa denúncia não procede, porque o banqueiro é enfático e recorrente ao exigir a destruição do capital:

    Destrua V. todos os capitalistas do mundo, mas sem destruir o capital... No dia seguinte o capital, já nas mãos de outros, continuará, por meio desses, a sua tirania.

    Saraiva de Souza é mais feliz quando aproxima o texto de Pessoa a uma perspectiva foucaultiana, apesar de fazê-lo numa pequena ressalva, ao fim do texto, como que concedendo a ele um “prêmio de consolação”:

    Fernando Pessoa descobriu à sua maneira a aporia fundamental do poder: a luta contra a dominação gera mais dominação. Este é o aspecto forte do seu pensamento, pelo menos nesta novela.

    Outro texto, agora desde uma perspectiva dialética,1 também subordina o conto ao caráter reacionário do banqueiro, como defensor do egoísmo enquanto qualidade natural superior, decretando a “insuficiência” do pensamento político veiculado por Pessoa (“nada de substancial muda no todo”). O comentador parece confundir Pessoa com o banqueiro, e a “mensagem” do texto com a mensagem do autor:

     São conhecidos os pendores nacionalistas, místicos e mesmo autoritários de Fernando Pessoa, não obstante todo seu ceticismo moderno – típicos aliás de um leitor de Nietzsche. Definiu-se politicamente como liberal, anti-socialista e anti-comunista. Sabe-se também que apoiou indiretamente, em certo contexto histórico, o começo da ditadura de Salazar, apesar de mais tarde remedar satiricamente dela. Talvez, "O Banqueiro Anarquista" estava inserido em tal contexto objetivo-subjetivo: rebaixando ideologias revolucionárias através do uso de seus próprios meios, isto é, da argumentação esclarecida, o texto poderia implicitamente ter a intenção de legitimar a necessidade de um Estado autoritário para o desenvolvimento moderno de nações periféricas; a mofa posterior do ditador sendo apenas a de uma ditadura que se tornou "mesquinha" demais, "menor" do que a "necessária", incongruente com a grandeza pátria imaginada pelo cantador de "Mensagem". (Cláudio R. Duarte, setembro/outubro 2005. “Texto para uma apresentação da tradução turca do livro”)


    Do nosso ponto de vista, a heteronomia e o estatuto paradoxal da ficção filosófica-antifilosófica de Pessoa nos impedem de identificar uma relação tão direta entre obra e crenças políticas, sem contar que os próprios textos “estritamente políticos” de Pessoa são atravessados de ambiguidades e incongruências. Neste texto, uma “constatação” clara e firmemente enunciada, e que se transforma em princípio fundamental da argumentação, é a de que, ao se unirem para combater a tirania, os homens começam a se tiranizar uns aos outros.

    No estado social presente não é possível um grupo de homens, por bem intencionados que estejam todos, por preocupados que estejam todos só em combater as ficções sociais e em trabalhar pela liberdade, trabalharem juntos sem que espontaneamente criem entre si tirania, sem criar entre si uma tirania nova, suplementar à das ficções sociais, sem destruir na prática tudo quanto querem na teoria, sem involuntariamente estorvar o mais possível o próprio intuito que querem promover.”

    É a “aporia fundamental do poder”, que vimos ressaltada por Saraiva de Souza. Este é um problema que aproxima o pensamento veiculado pelo personagem (e não a “mensagem” do texto) a autores como Stirner, Rousseau ou Fourier. Mas, ao contrário desses autores, que, cada um a sua maneira, vêem na manutenção ou no resgate das boas qualidades naturais o antídoto para a corrupção social, para o banqueiro anarquista, nós já o vimos, não há “qualidades naturais puras”. 

    …éramos quarenta, salvo erro - dava-se este caso: criava-se tirana. (…) …uma tirania que não é derivada das ficções sociais. (…) …esta nossa tirania, se não era derivada das ficções sociais, também não era derivada das qualidades naturais; era derivada duma aplicação errada, duma perversão, das qualidades naturais. (…) É mais natural supor que a longuíssima permanência da humanidade em ficções sociais criadoras de tirania faça cada homem nascer já com as suas qualidades naturais pervertidas no sentido de tiranizar espontaneamente…

    É certo que a denúncia da dificuldade da empreitada coletiva não deixa margem a qualquer experimentalismo, mas ela é essencial em tudo o que guarda de crítica ao voluntarismo e à “boa vontade” (pouco importa a conclusão esdrúxula a que chega: “O que há a fazer? É muito simples... É trabalharmos todos para o mesmo fim, mas separados.”). A crítica “nietzscheana” do banqueiro à moral kantiana (e a tudo o que dela permanece no horizonte utópico de esquerda) reforça a crítica ao voluntarismo e à idéia de uma boa vontade natural, aos “desejos naturais” de justiça e liberdade:

    As dificuldades eram estas: não é natural trabalhar por qualquer coisa, seja o que for, sem uma compensação natural, isto é, egoísta; e não é natural dar o nosso esforço a qualquer fim sem ter a compensação de saber que esse fim se atinge.

    Dada a derrota das “qualidades naturais”, dada a necessidade última de se basear no “sentimento”, o próprio princípio da argumentação lógica desmorona e o banqueiro assume o sarcasmo como arma para jogar razão contra razão, desmontando as falsas evidências dos ismos políticos.
    Mas, com isso, ele não se restinge ao sarcasmo nem a uma crítica nihilista, ele avança dois princípios nada desprezíveis para uma perspectiva política emancipatória: o desafio de atrelar a busca pessoal de liberdade com a revolução social (1) é sempre incerto e (2) pressupõe uma luta pessoal e radical de emancipação intelectual (“ninguém emancipa ninguém”, como dizia Jacotot):

    As duas dificuldades eram estas; ora repare como ficam resolvidas pelo processo de trabalho anarquista que o meu raciocínio me levou a descobrir como sendo o único verdadeiro... O processo dá em resultado eu enriquecer; portanto, compensação egoísta. O processo visa ao conseguimento da liberdade; ora eu, tornando-me superior à força do dinheiro, isto é, libertando-me dela, consigo liberdade. Consigo liberdade só para mim, é certo; mas é que como já lhe provei, a liberdade para todos só pode vir com a destruição das ficções sociais, pela revolução social. O ponto concreto é este: viso liberdade, consigo liberdade: consigo a liberdade que posso...
    …que um tipo nasça para escravo, nasça naturalmente escravo, e portanto incapaz de qualquer esforço no sentido de se libertar... Mas nesse caso..., nesse caso..., que têm eles que ver com a sociedade livre, ou com a liberdade?... Se um homem nasceu para escravo, a liberdade, sendo contrária à sua índole, será para ele uma tirania.

    É preciso lembrar e ressaltar que em nenhum momento do texto se relativiza a necessidade de superação do capitalismo, como demonstra a passagem já citada anteriormente:

    [interlocutor:] …por esse argumento, a gente quase que é levado a crer que nenhum representante das ficções sociais exerce a tirania...
    - E não exerce. A tirania é das ficções sociais e não dos homens que as encarnam; esses são, por assim dizer, os meios de que as ficções se servem para tiranizar, como a faca é o meio que se pode servir o assassino. (…) Destrua V. todos os capitalistas do mundo, mas sem destruir o capital... No dia seguinte o capital, já nas mãos de outros, continuará, por meio desses, a sua tirania. Destrua, não os capitalistas, mas o capital; quantos capitalistas ficam?... Vê?...

    É preciso destacar, no mesmo passo, a afirmação radical, por parte do banqueiro, da natureza não-racional da moral e da liberdade:

    Repara tu, dizia eu para mim, que nascemos pertencentes à espécie humana, e que temos o dever de ser solidários com todos os homens. Mas a idéia de `dever' era natural? De onde é que vinha esta idéia de `dever'? Se esta idéia de dever me obrigava a sacrificar o meu bem-estar, a minha comodidade, o meu instinto de conservação e outros meus instintos naturais, em que divergia a ação dessa idéia da ação de qualquer ficção social, que produz em nós exatamente o mesmo efeito?
    A idéia de justiça cá estava, dentro de mim, pensei eu. Eu sentia-a natural. Eu sentia que havia um dever superior à preocupação só cá do meu destino. (…) Concordo que, naquele momento, venci a dificuldade lógica com o sentimento, e não com o raciocínio. (…)
     Sacrificar-me a uma idéia sem recompensa pessoal, sem eu ganhar nada com o meu esforço por essa idéia, vá; mas sacrificar-me sem ao menos ter a certeza de que aquilo para que eu trabalhava, existiria um dia, sem que a própria idéia ganhasse com o meu esforço - isso era um pouco mais forte... Desde já lhe digo que resolvi a dificuldade pelo mesmo processo sentimental por que resolvi a outra. (grifo nosso)

    As metáforas animais do texto ressaltam esse fundo irracional da argumentação:

    Se me escamei! Enfureci-me! Pus-me aos coices. Dei por paus e por pedras. Quase que me peguei com dois ou três deles. E acabei por me vir embora. Isolei-me. Veio-me um nojo àquela carneirada toda, que V. não imagina!

    Entendo, portanto, que o texto de Pessoa, independente de suas “intenções”, apresenta mais questões abertas do que “mensagens”. Como ficção, como parte dessa ficção social “maior” que é “a literatura”, que vale menos do que a luz do sol, ele não é nunca mero exercício sofístico, mero veículo para expressão de idéia políticas. O autor de O Banqueiro Anarquista “não é o mesmo autor” de Mensagem… E, entretanto, o é, como heterônomo… Esse conto de Pessoa, como toda a sua obra, nos convida a pensar a relação entre literatura e política numa perspectiva mais ampla do que a de mero espelhamento, e pensar a heteronomia para além de uma multiplicidade de vozes de um mesmo autor. Seria preciso, por exemplo, relacionar esse conto a outros de Poe, Oscar Wilde e Baudelaire, com estruturas e elementos por demais semelhantes para serem ignorados (o narrador é um interlocutor passivo, a ubiquidade do fumo em toda a história, o papel do “raciocíonio lógico”, a economia como tema e “metáfora” da própria literatura, etc.).2
    Para terminar esse simples começo de conversa, porém, ressalto apenas, e mais uma vez, as forças das questões propriamente políticas presentes no texto. Não parece insignificante constatar, por exemplo, que Pessoa formula, de modo aproximado, em O Banqueiro Anarquista, uma das questões mais caras à filosofia de Michel Foucault: “como desvincular o crescimento das capacidades e a intensificação das relações de poder?” (O que são as luzes? P.349)

    Um processo, ou processos, quaisquer pelo qual se contribuisse para destruir as ficções sociais sem, ao mesmo tempo, estorvar a criação da liberdade futura, sem, portanto, estorvar em coisa nenhuma a pouca liberdade dos atuais oprimidos pelas ficções sociais; um processo que, sendo possível, criasse já alguma coisa da liberdade futura...

     E vale lembrar, afinal, o que é um anarquista, para o banqueiro anarquista: “Ora o que é um anarquista? É um revoltado contra a injustiça de nascermos desiguais socialmente - no fundo é só isto.” Se procurarmos, em 1922, os textos e poesias de Fernando Pessoa, que pudessem lançar uma luz sobre o “estado de espírito” do poeta quando da escrita deste conto, encontramos um poema que lega a nós, bisnetos dos opressores e oprimidos de ontem, o enigma e a herança d’O Banqueiro Anarquista:

    Não sou ninguém, o meu trabalho é nada
    Neste enorme rolar da vida cheia,
    Vivo uma vida que nem é regrada
    Nem é destrambelhada e alheia.

    E um século depois terá esquecido
    Tudo quanto estuou e foi ruído
    Nesta hora em que vivo. E os bisnetos
    Dos opressores de hoje, desta louca luta
    Saberão, mas vagamente, a data
    — E claramente os meus sonetos.
    2-9-1922

    sábado, 10 de novembro de 2012

    Liberdade

    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!
    Cada um tem que libertar a se próprio!

    Depois de ler o texto em 2001

    Acho mesmo que o cinismo do personagem em questão, nos faz refletir sobre as convençoes da cultura e sua amarras a liberdade... Fiquei pensando, não seria este personagem um Bufão, que nos faz olhar pra dentro do nosso ridiculo mundo, que joga a fé pelo chão e acaba com a esperança... Em um primeiro momento me senti como que sem pernas, mas, apoiado no que conheço de Spinoza, me ergui como homem potente, que deseja que todos sejam potentes e livres... Sem de fato, nenhum tipo de ficção, nem um tipo de pilar que sustente a compaixão e a solidariedade, mas que deseja e por desejar vive em plena consciencia do devir, como corpo sem orgãos, negando a culpa e a divida infinita... Assim me senti com esse texto... Como que precisando nascer novamente, renovar, vida nova... Nao para ser egoista ou egocentrico, mas pra dar a mim mesmo a chance de ser sem peso. Fernando Pessoa em 1922, talvez tenha consiguido prever ou ver as tiranias todas que viriam e que estavam proclamadas em nome do bom senso. do senso comum. O que podemos, olhando o mundo depois de todos estes anos, é saber que por medo, tenhamos perdido o sentido de liberdade, por medo, colocamos nas mão dos sacerdotes nossas vidas...
    Ainda estou um pouco confuso, depois de ler esse texto, peso-me, não sei porque.

    Fernando Lopes Lima 

    Rio de Janeiro 24/02/2001
    Inteligência e dissimulação
    O imbróglio do mau infinito d´ "O Banqueiro Anarquista"


    Cláudio R. Duarte

    "O intelecto, como um meio para a conservação do indivíduo, desdobra suas forças principais no disfarce" (Nietzsche, "Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral", 1873).

    A escrita de Fernando Pessoa é bastante ambivalente e paradoxal. Foi um dos artistas que sentiu, no início do século 20, a importância de libertação de máscaras do sujeito moderno. Mas essa libertação, para ele, é igual à multiplicação das máscaras. A desidentificação vem da multiplicação de identidades. Pode-se ver em suas personas poéticas, em seus "heterônimos", toda uma tentativa de cindir a fortaleza do Ego, uma poesia que procura fazer aflorar singularmente o inconsciente social da modernidade. Publicado em 1922, "O Banqueiro Anarquista", uma espécie de conte philosophique, ou "conto de raciocínio" como denominava o autor, obra ainda hoje muito pouco lida e pouco analisada, sintetiza alguns destes aspectos. Trata-se dum diálogo botequinesco entre um personagem anônimo e um ex-operário, também anônimo, que se tornou banqueiro, apresentado desde o início como "um grande comerciante e açambarcador notável". No diálogo, o banqueiro narra seu processo de formação, procurando demonstrar logicamente porque é realmente "anarquista" na teoria e na prática. Trata-se, assim, de um conto sobre razões da ação prático-moral, em que desfilam inteligência e dissimulação, lógica e disfarce.
    * *
    Para a consciência esclarecida do Banqueiro, tal como para os filósofos e economistas do século das Luzes, a dominação social é assumida como mera fiction sociale, estranha à Natureza. Para ele, dinheiro, Estado, religião, família etc. são nada mais que normas arbitrárias que mascaram e dominam a verdadeira vida natural. Na vida natural, os homens tornam-se iguais e livres de todas as tiranias sociais. Defendendo esse princípio de modo puro e intransigente, ele pode recusar tudo aquilo que não lhe seja compatível. Algumas falas do banqueiro parecem contraposições diretas ao Manifesto Comunista de Marx e Engels (a recusa da "ditadura do proletariado" como apenas mais um "despotismo militar" que só pode gerar uma "sociedade guerreira do tipo ditatorial"); e é com rigor lógico que vários motivos anarco-comunistas vão sendo conseqüentemente apresentados – mas tudo construído sistematicamente para ser destruído no fluxo discursivo. Com efeito, a verve anárquica do banqueiro é, através de uma coerência lógica sistemática, algo totalmente iconoclasta, até o ponto de conduzi-lo ao completo isolamento, à maneira do anarquismo individualista de "O único e sua propriedade" de Max Stirner. É verdade, diz ele, que somente uma revolução social pode superar efetivamente a opressão, mas, na prática concreta, até mesmo os pequenos grupos anarquistas, sem muita influência, produzem novas formas de tirania, acrescentando-as às já existentes:
    "Uns mandavam em outros e levavam-nos para onde queriam; uns impunham-se a outros e obrigavam-nos a ser o que eles queriam; uns arrastavam outros por manhas e por artes para onde eles queriam. Não digo que fizessem isto em coisas graves; mesmo, não havia coisas graves ali em que o fizessem. Mas o fato é que isto acontecia sempre e todos os dias, e dava-se não só em assuntos relacionados com a propaganda, como fora deles, em assuntos vulgares da vida. Uns iam insensivelmente para chefes, outros insensivelmente para subordinados".
    Assim sendo, apenas a liberdade individual, na sua total pureza, pode dar início à libertação da tirania social. Só isso torna-se realmente, segundo ele, uma verdade prática, coerente com a teoria anarquista da liberdade, não uma verdade restrita ao nível teórico-discursivo. Como então agir efetivamente contra as convenções sociais ? Ora, o dinheiro, como a mais poderosa ficção, apenas poderá ser "subjugado" furtando-se a seu poder:

    "Como subjugar o dinheiro, ou, em palavras mais precisas, a força, ou a tirania do dinheiro? Tornando-me livre da sua influência, da sua força, superior portanto à influência, reduzindo-o à inatividade pelo que me dizia respeito a mim. Pelo que me dizia respeito a mim, compreende V.?, porque eu é que o combatia; se fosse reduzi-lo à inatividade pelo que respeita a toda a gente, isso não seria já subjugá-lo, mas destruí-lo, porque seria acabar de todo com a ficção do dinheiro. Ora, eu já lhe provei que qualquer ficção social só pode ser ´destruída´ pela revolução social, arrastada com as outras na queda da sociedade burguesa".
    Primeiramente, provou-se que uma revolução social só poderia se concretizar no esforço isolado, libertário, autenticamente individual. Por outro lado, não basta fugir à influência do dinheiro, virar-lhe as costas, ir para o campo, isolar-se completamente. Como na boa crítica imanente dialética, o combate precisa ser assumido no campo do adversário. Descartadas outras formas de ação, resta apenas uma:

    "O processo tinha que ser outro - um processo de combate e não de fuga. Como subjugar o dinheiro, combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu encontro? O processo era só um - adquiri-lo, adquiri-lo em quantidades bastante para lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influência".
    Furta-se então ao poder do dinheiro não pela fuga, mas através de enriquecimento pessoal: assim fazendo, acumulando-o, pode-se livrar-se de seu poder. Conclusão: o anarquista que se torna um banqueiro – só este realmente é um anarquista coerente, em sentido prático, não só no discurso teórico. Sem sofismas aparentes, o paradoxo se ergue claramente:

    "Trabalhei, lutei, ganhei dinheiro; trabalhei mais, lutei mais, ganhei mais dinheiro; ganhei muito dinheiro por fim. Não olhei o processo - confesso-lhe, meu amigo, que não olhei o processo; empreguei tudo quanto há - o açambarcamento, o sofisma financeiro, a própria concorrência desleal. O quê?! Eu combatia as ficções sociais, imorais e antinaturais por excelência, e havia de olhar a processos?! Eu trabalhava pela liberdade, e havia de olhar as armas com que combatia a tirania?!"
    Por fim, a "liberdade" é triunfalmente celebrada:
    "Hoje realizei o meu limitado sonho de anarquista prático e lúcido. Sou livre. Faço o que quero, dentro, é claro, do que é possível fazer. O meu lema de anarquista era a liberdade; pois bem, tenho a liberdade, a liberdade que, por enquanto, na nossa sociedade imperfeita, é possível ter. Quis combater as forças sociais; combati-as, e, o que é mais, venci-as.''
    Claro, diz ele, que não haverá contradição em se usar o dinheiro, até mesmo valendo-se de métodos desleais para obtê-lo e para atingir a liberdade, pois ninguém se torna um opressor por simplesmente usar uma "ficção social", que, pelo menos aparentemente, não tem origem em qualquer ação dum sujeito simplesmente individual.

    "A tirania, que pode ter resultado da minha ação de combate contra as ficções sociais, é uma tirania que não parte de mim, que portanto eu não criei; está nas ficções sociais, eu não ajuntei a elas. Essa tirania é a própria tirania das ficções sociais; e eu não podia, nem me propus, destruir as ficções sociais. Pela centésima vez lhe repito: só a revolução social pode destruir as ficções sociais; antes disso, a ação anarquista perfeita, como a minha, só pode subjugar as ficções sociais, subjugá-las em relação só ao anarquista que põe esse processo em prática, porque esse processo não permite uma mais larga sujeição dessas ficções. Não é de não criar tirania que se trata: é de não criar tirania nova, tirania onde não estava. Os anarquistas, trabalhando em conjunto, influenciando-se uns aos outros como eu lhe disse, criam entre si, fora e à parte das ficções sociais, uma tirania; essa é que é uma tirania nova. Essa, eu não a criei. Não a podia mesmo criar, pelas próprias condições do meu processo. Não, meu amigo; eu só criei liberdade. Libertei um. Libertei-me a mim. É que o meu processo, que é, como lhe provei, o único verdadeiro processo anarquista, me não permitiu libertar mais. O que pude libertar, libertei".

    * *
    Encravados no tom sério da argumentação, donde vêm o humor e a ironia desse texto ? Da encenação de movimento ascendente à queda grotesca do final, na clara repetição do sempre o mesmo: se o banqueiro, sozinho, tornou-se melhor anarquista, ou pelo menos mais "coerente" que os outros anarquistas "de bombas e sindicatos" – claro que tudo muda para ele, mas nada de substancial muda no todo. Algo do inconsciente social da forma-mercadoria vêm à tona neste trajeto. A série de argumentos reunidos apresentados vai em direção à dispersão. O discurso que põe a necessidade da revolução social escorre inexoravelmente no sentido da individualização monádica do sujeito-monetário. Da presumida revolta à revolução social assumida, desloca-se à ação individual completamente equívoca, e, assim, à reafirmação do capitalismo pura e simples, com a constatação fatalista das irremediáveis desigualdades naturais (de inteligência e vontade) entre indivíduos. Como diria Hegel, apresentando a dialética da "consciência nobre" (edelmütige Bewusstsein) e "da consciência vil" (niederträchtig Bewusstsein): "a arrogância toma o lugar da revolta" (Fenomenologia do Espírito. Petrópolis, Vozes, vol. 2, p.55). O combate social efetivo se perde, nenhuma experiência coletiva se constitui, nenhuma síntese superior se produz. A anarquia libertária desliza e desemboca na velha anarquia da produção capitalista. O "riso alto" do banqueiro, no final de sua exposição, tem algo de sarcástico, cínico, perverso, com um ar de família do sobrinho de Rameau de Diderot, que, na sua consciência dilacerada, constatava: "Ouro, ouro. O ouro é tudo, e o resto, sem ouro, não é nada" (Diderot, Le neveau de Rameau). A vaidosa loquacidade do banqueiro, supostamente de um sujeito autônomo, era apenas dissimulação hipócrita do verdadeiro sujeito do processo, o equivalente-geral, o capital-dinheiro. Mantendo-se como mera "visão moral de mundo" ela tem de incorrer num constante "deslocamento dissimulado" (Verstellung), conforme outra figura crítica de Hegel na Fenomenologia. O banqueiro, enfim, apenas consegue reafirmar a gasta ideologia burguesa da liberdade pessoal pela concorrência e pelo trabalho. Mas, ao fim, revela seu fundo falso, cinicamente assumido, nos métodos desleais de açambarcamento comercial. Em suma, seu processo de formação não leva à autonomia social, mas ao cínico sujeito-monetário bem logrado (aliás, do latim: lucrum).

    A retórica do banqueiro, no entanto, desde o início dava sinais de ser o disfarce astucioso da forma abstrata "egoísta" do proprietário. Desde o princípio, o banqueiro exprimia orgulhosamente sua superioridade arrogante: "Eles são anarquistas e estúpidos, eu anarquista e inteligente". Isto, aliás, um dom da natureza: uma "inteligência naturalmente lúcida e uma vontade um tanto ou quanto forte". Inteligência e vontade de devorar o outro, engoli-lo em sua argumentação: as "bestas que defendem a ‘ditadura do proletariado’", os tirânicos anarquistas de grupo, os concorrentes da selva capitalista, o próprio interlocutor e suas objeções lógicas – todos são esmagados pelo rolo compressor de sua retórica, de sua práxis real de capitalista. Assim, na malandragem de sua argumentação ele pode usar todas as "manhas" e "artes" que tinha rejeitado nos grupos anarquistas. O eu subjuga e anula o outro, pela força hipnótica da argumentação dissimuladora. Noutro momento de sua argumentação, dita "materialista", irá afirmar o egoísmo, a busca do prazer para si, como condição natural. Coloca, então, a noção de dever (de solidariedade e bem coletivo) sob suspeita: como seria ela natural se contraria nosso egoísmo, nosso instinto de autoconservação natural? Sua resposta será subordinar a meta social à individual:

    "Esta idéia de dever, isto de solidariedade humana; só podia considerar-se natural se trouxesse consigo uma compensação egoísta."

    Aqui vem à tona a forma social do moderno sujeito da concorrência. O interlocutor, ofuscado pelo raciocínio, ainda reclama: "V. não resolveu a dificuldade... V. foi para diante por um impulso absolutamente sentimental..." - mas está ali justamente para ser embrulhado por mais um deslocamento dissimulado: "É curioso...[diz o interlocutor] - É... Agora deixe-me continuar na minha história".

    Nesses deslocamentos dissimulados, seu modo de existência é o do limite, claro-escuro, entre o moral e o imoral, a potência e a impotência, o ser e o nada. Por um lado, sua sóbria postura e seriedade, expostas em seus gestos firmes e límpida retórica, são disfarces de sua impostura e descaramento. Da hipócrita defesa da liberdade intransigente passa-se à defesa liberal totalmente cínica da dominação. De um argumento como este...
    "Claro está que não temos que olhar a não estorvar a `liberdade' dos poderosos, dos bem situados, de todos que representam as ficções sociais e têm vantagens delas. Essa não é liberdade; é a liberdade de tiranizar, que é o contrário da liberdade. Essa pelo contrário, é o que mais devíamos pensar em estorvar e em combater."

    ... desloca-se e treslouca-se a este:
    "A tirania, que pode ter resultado da minha ação de combate contra as ficções sociais, é uma tirania que não parte de mim, que portanto eu não criei; está nas ficções sociais, eu não ajuntei a elas. Essa tirania é a própria tirania das ficções sociais; e eu não podia, nem me propus, destruir as ficções sociais".

    Mas esse poder é simulação ele próprio. No fundo, o banqueiro é tão impotente quanto os seus outros:

    "eu não podia, nem me propus, destruir as ficções sociais", ou seja, "a ação anarquista perfeita, como a minha, só pode subjugar as ficções sociais, subjugá-las em relação só ao anarquista que põe esse processo em prática, porque esse processo não permite uma mais larga sujeição dessas ficções (...)O próprio processo me impedia de fazer mais. Que mais podia fazer?".

    Em outras palavras, como diz o próprio banqueiro, se julgamos a sociedade anarquista impossível, pela "boa lógica", "seremos defensores do regime burguês". Potente de fato é o fetiche do dinheiro, que não tem nada de pura ficção: pois é a abstração terrivelmente real do "trabalho socialmente necessário" ou "trabalho social abstrato" (Marx, O Capital). Seu poder encarnado no indivíduo capitalista, sim, tem algo de fictício, de pura contingência, como uma mera máscara de seu "capital-fictício" (Marx, ibid.). Só assim, no imbróglio de sua argumentação paradoxal, ele pode se reconciliar cinicamente na mais absoluta dilaceração: "Eu libertei-me a mim; fiz o meu dever simultaneamente para comigo e para com a liberdade. Por que é que os outros, os meus camaradas, não fizeram o mesmo? Eu não os impedi".

    Mas, por fim, o eu que subsume o outro e a si torna-se vazio. Por trás do anonimato do banqueiro (e de seu interlocutor) já se vislumbrava a vã máscara mercantil fetichista. Por trás da máscara do sujeito-monetário há o nada. "De telles gens ne sont ni parents, ni amis, ni citoyens, ni chrétiens, ni peut-être des hommes: ils ont de l’argent", dizia La Bruyère ("Tais pessoas não são nem pais, nem amigos, nem cidadãos, nem cristãos, nem homens, talvez: elas têm dinheiro"), num momento de consolidação da forma-dinheiro na sociedade européia. Não só o poeta dos heterônimos, mas também "Fernando Pessoa ele mesmo" constatava isso, num de seus escritos não-literários:

    "o comerciante não tem personalidade, tem comércio; a sua personalidade deve estar subordinada como comerciante, ao seu comércio; e o seu comércio está fatalmente subordinado ao seu mercado, isto é, ao público que o fará comércio e não brincadeira de crianças com escritório e escrita" (Fernando Pessoa, "A essência do comércio").

    * *
    São conhecidos os pendores nacionalistas, místicos e mesmo autoritários de Fernando Pessoa, não obstante todo seu ceticismo moderno – típicos aliás de um leitor de Nietzsche. Definiu-se politicamente como liberal, anti-socialista e anti-comunista. Sabe-se também que apoiou indiretamente, em certo contexto histórico, o começo da ditadura de Salazar, apesar de mais tarde remedar saticaricamente dela. Talvez, "O Banqueiro Anarquista" estava inserido em tal contexto objetivo-subjetivo: rebaixando ideologias revolucionárias através do uso de seus próprios meios, isto é, da argumentação esclarecida, o texto poderia implicitamente ter a intenção de legitimar a necessidade de um Estado autoritário para o desenvolvimento moderno de nações periféricas; a mofa posterior do ditador sendo apenas a de uma ditadura que se tornou "mesquinha" demais, "menor" do que a "necessária", incongruente com a grandeza pátria imaginada pelo cantador de "Mensagem".

    Mas não se pode julgar um texto simplesmente pelas intenções do autor, se é que essas eram elas. Em todo caso, o trabalho literário é mais que um documento histórico factual. Tal texto pode ser, talvez, libertado da voz pessoal do autor. Um texto é virtualmente múltiplo, ambivalente, tal como os heterônimos de Pessoa prometiam ser. O paradoxo armado não é simplesmente o falso ou o meramente ideológico. Contradições foram aparentemente dirimidas, mas para nós, nas entrelinhas, foram apresentadas e aprendidas: a esterilidade da verve esclarecida que gira em falso, na má infinidade do discurso lógico, sem teor prático efetivo, sem real superação (Aufhebung).
    O leitor turco talvez encontrará no "Banqueiro Anarquista" um traço familiar em sua própria tradição narrativa. Tal forma narrativa paradoxal, fundada no regime da má infinidade, da contradição dissimulada, é algo comum às "periferias do capital"(Schwarz): pense-se na obra crítico-negativa do brasileiro Machado de Assis (especialmente em "Memórias Póstumas de Brás Cubas"), na obra de Goethe na Alemanha, ou em Dostoiévski na Rússia. Mas, talvez, na cultura pós-moderna do capitalismo mundializado atual, que patina em suas próprias contradições sem sair do lugar, não será difícil reconhecer por todos os lugares, em todos os níveis, as mesmas estratégias hipócritas e cínicas do discurso de nosso banqueiro.
    (setembro/outubro 2005. Texto para uma apresentação da tradução turca do livro).

    Grandes pensadores




    Peregrino

    "Ein anarchistischer Bankier"
     "The Anarchist Banker"
    "El Banquero Anarquista"

    sexta-feira, 9 de novembro de 2012

    Um pouco do dia de ontem que pode ter sido hoje.

    É engraçado ver como as coisas vão se transformando no processo, basta o trabalho e tudo já não vai ser nunca a mesma coisa. Agora, quando o texto está decorado e as ideias podem correr livres, estamos experimentando a liberdade para criar. É impressionante como a cada instante vamos descobrindo o que antes não havia, a cada passagem uma ideia nova, um complemento e os atores disponíveis, abertos, livres para receber o que é novo, testando sua capacidade e generosidade. Para o diretor basta que os atores sejam generosos, eu fico feliz. Nossa peça está refinadamente divertida. O tema é difícil é preciso fazer com que as pessoas se mantenham interessadas até o final. É preciso teatralizar o troço. Teatralize-se.

    quarta-feira, 7 de novembro de 2012

    Explicações necessarias

    Este blog é uma tentativa de deixar o processo de montagem da peça "O Banqueiro Anarquista" mais exposto, para que outras pessoas possam acompanhar, através de registros de textos, fotos ou outras mídias, a tragetória de construção desta peça. A quem interessar possa. Estamos neste processo a alguns meses, já fizemos uma leitura pública no Midrash Centro Cultural e agora, depois de meses de um trabalho de mesa profundo, entramos na fase, que podemos chamar, de encenação.